sábado, 28 de novembro de 2020

Maria pt2

Ver pt1 


A avó nasceu em 1933 e nunca foi à escola. Aposto que teria sido genial se o tivesse feito. Fazia contas de cabeça que eu fazia na calculadora. Reconhecia palavras nos seus livros de religião quando me sentava ao lado dela para lhe ler um pouco. Sabia para quem eram as cartas que o carteiro trazia. E já sabia escrever  o nome. Por vezes dava com ela a treinar, num cantinho de um guardanapo, devagarinho, com a letra o mais cuidada que conseguia. Quando lhe corria bem, mostrava-me orgulhosa "vê lá se é assim que se faz".

Usava o telefone com normalidade, fixo, que as tecnologias já eram coisas a mais que "não eram para a idade dela". Os números de telefone que não sabia de cor, estavam escritos em papelinhos diferentes que ela fixava o destinatário e depois, cuidadosamente, marcava no telefone.


A avó sabia e ensinava coisas que não vinham nos livros nem se aprendiam na escola. Já disse que ela não ia ao Google nem precisava de tecnologias. O seu máximo capricho era uma telenovela brasileira antes do dia terminar. 


Ela não tinha a teoria, mas tinha a prática, a preciosa experiência. Como não sabia escrever, era na cabeça que guardava bem vivas todas as datas importantes (e outras que ninguém se dá ao trabalho de fixar). E eu, eu adorava ficar ali, só a ouvir. Mesmo que já tivesse ouvido a mesma coisa uma datas de vezes.
Nunca me cansava dela.

Quando cozinhava, a cozinha cheirava a amor. A comida sabia a amor.
Foi ela que me ensinou a safar-me nesse campo.

O casamento com o meu avô durou mais de 60 anos, até que que a morte chegou para ele, um ano antes de chegar para ela também. Ficou um caco, o cancro ao lado da perda do meu avô não era nada. A morte dele veio lembrar-me que afinal eles não eram tão imortais assim, e veio também debilita-la ainda mais. 
60 anos.
Lembro-me como ela pedia a Deus para ser a primeira a partir, nem que fosse 5 minutos antes dele. Não consigo imaginar a dor de perder um companheiro de tanto tempo. Talvez seja semelhante a perder uma parte do corpo, pior do que saber que se tem um cancro dentro dele.

Eles viveram numa época em que as meias rotas eram cozidas à mão. Só se compravam novas para "os dias bons", a "roupa de sair", "roupa do domingo". As coisas arranjavam-se, encontravam-se soluções, perdia-se tempo a cuidar daquilo que lhes era importante e útil. 

Talvez tivessem sido gestos de cuidado como este que os manteve juntos durante tanto tempo.
Hoje já não se cosem as meias rotas. 
Nem os casamentos duram 60 anos.

Maria

 


Por melhor que viesse a ultrapassar tudo o que estava a acontecer, sabia que tudo estava prestes a mudar da noite para o dia. Achava que já sabia qual seria o impacto que iria causar em mim enquanto pessoa. Mas a expressão "por melhor que viesse a ultrapassar" não tinha jeito de ser. Não há "melhor maneira" e "ultrapassar" é algo muito vago. Ficam as memórias.

Memórias.

A avó era tudo o que ainda restava das boas memórias de infância, das felizes, das realmente felizes. Era o único motivo válido para ainda querer fazer daquela casa a minha morada. A mesma casa que à tão pouco tempo atrás tinha calor, era aconchegante por ti. O cheiro das coisas, da madeira, do ar ainda era o mesmo. Mas faltavas tu.

Por ali a vida tinha acabado. Já não havia pombos nem passarinhos ou plantas bem cuidadas. O canário amarelo já não vivia na gaiola na janela da cozinha, para te responder carinhosamente quando lhe atiravas beijos. Lembro-me da maneira como expressavas o teu amor por ele e como pedias desculpa a Deus por o manteres numa gaiola.

Por vezes, mesmo já passado algum tempo, ainda dava por mim  com a ideia de que te ia encontrar sentada à mesa da cozinha, com 2 chávenas de café com leite, uma delas à minha espera, ou sentada na bordinha da cama com um terço na mão, a rezar para dentro, por todos. Menos por ti. Desconfio que muitos pelos quais ela rezava nem se lembravam dela tanto assim. Esses mesmos que agora, no fim das contas, te tentam compensar com flores e orações.
Mas tu já não estás. E não vais estar mais.
E eu, sem sabe-lo, sabia.
E isso então era morrer.

Perder a avó foi bem mais que um murro no estômago. Na verdade, a morte sempre esteve à espreita desde que me lembro de mim, para lá do meu nascimento. A avó partilhava o seu corpo com aquele maldito cancro à mais de 30 anos. Conhecia-lhe os medicamentos que tomava religiosamente todos os dias, a todas as refeições. 11 ao pequeno-almoço. Só que, apesar do tempo ter ido passando e eu indo crescer, ainda vivia naquela ilusão de que as coisas eram "normais" assim, a avó ia ficar ali do meu lado para sempre, como se fosse imortal.  Afinal de contas, eu já a tinha visto curvar a barreira dos 80, sempre com a mesma carinha, com aquele ar tão fresquinho que ela sempre negava .
E ria comigo. Fazia-me rir. E rezava. 

A avó tinha sempre uma solução, uma palavra de conforto, um conselho, um miminho. lembro-me de, em pequena, chegar da escola e sempre lhe dizer que achava que tinha apanhado piolhos. Ela já conhecia a minha manha, sabia que eu só queria que ela me desse miminhos no cabelo. Era um bocado impossível apanhar piolhos dia sim, dia não. Lá se sentava ao meu lado, com a minha cabeça no seu colo, a procurar os piolhos que sabia não existir.

A minha avó (e o meu avô, mas isso é para outro título) morava no rés-de-chão e nós no primeiro andar. Não me lembro de uma única vez que tenha vindo da escola e ter subido a escada para minha casa sem antes entrar na dela primeiro.

Por falar em escola...
                    
                                Continua »

quarta-feira, 2 de maio de 2018

5 Coisas que não deves dizer ao teu namorado


Olá, tudo bem com vocês?

Eu sou uma pessoa que, quando começo a falar com alguém e quando me entusiasmo a conversar, às tantas no decorrer da conversa pode acontecer que surja um momento menos feliz. 


Se tal como eu já falavas dentro da barriga da mãe ficam estas 5 dicas :) Claro que haverá momentos de excepção, dependendo muito da confiança que temos na pessoa. Mas às vezes o melhor mesmo é ponderar, acreditem. Nunca sabemos o dia de amanhã. Cuidado com segredos que se revelam porque o amanhã a Deus pertence.


  1. Não fales muito do teu ex-namorado. Não o compares com o teu namorado, ele vai-se sentir mal, talvez até inseguro. Põe-te no lugar dele.
  2. Tenta não comentar algum aspecto negativo da tua sogra. Toda a gente sabe que a nossa mãe é a melhor do mundo.
  3. Não lhe reveles segredos que alguém te pediu para guardar. Segredo é segredo, promessa é promessa. E isso tem de ser compreensível tanto para um como par outro.
  4. Nunca lhe digas que viste o telemóvel dele ou o Facebook. Simplesmente não o faças. Provavelmente vai ficar a achar que estás a dar em espia e poderá ficar chateado com razão. Não digas e não repitas. Nós mulheres temos imaginação muito fértil por vezes.
  5. Não digas que o teu colega de trabalho é um docinho de pessoa. Ou diz só para ver como reage! :)

terça-feira, 1 de maio de 2018

Fica o que sobra

Ela sentou-se e parou por momentos tentando pensar em alguma coisa em concreto. Queria uma solução rápida, sem mais rodeios nem adiamentos.
As soluções rápidas são seguras?
''Será que fiz o que realmente deveria ter feito? Será que fiz demais? Ou será que fiz muito mas de forma errada?''
Agora já estava feito, já não podia simplesmente virar as costas e fingir que nada daquilo tinha acontecido. Fingir que nem sequer se tinham cruzado, tão pouco se tinham envolvido ou criado laços.. porque ela já os tinha criado à muito, como os nós apertados das sapatilhas outrora usadas nas suas corridas ao fim do dia, quando ainda reservava algum tempo util para ela mesma. E ele? Teria ele criado alguma ligação? haveria algo que o prendesse àquela criatura na flor da idade ou era simplesmente o conforto que ela lhe dava que o mantinham ali sentado? 
Como seria se ele tivesse tido a oportunidade de escapar mais cedo? Teria ele ficado? Teria ele partido? 
'Agora é tarde demais.'                                           Nunca é tarde demais
Ela sabia que ele um dia iria seguir outro rumo, aquilo não seria para sempre. Mas, lá bem no fundo, ela tinha uma pequena esperança de que ele pudesse ficar por mais tempo. Por muito tempo.
'Porquê!? Porque tens de ir!? Não tens de ir, eu aguento o barco pelos dois! Melhores dias virão, eu viro-me do avesso se for preciso! Vais ver que resulta, vamos tentar! Não vás... olha para mim... não vás...'
Mas ele iria.Ela sabia disso, só não sabia quando. Já sentia o sabor amargo da despedida.
Restava-lhe recordar os bons momentos.
Quando ele chegou com o seu jeito descontraido, a fome de viver no limite como se o amanhã pudesse não chegar.
Os abraços demorados, as noites frias, as longas conversas.
Os brindes que fizeram por tudo, por nada, por coisa nenhuma.
O cheiro da comida boa que ele preparara tantas vezes.
O sorriso.
O silencio insurdecedor.
O som da chave na porta quando ele chegava.
A gargalhada.
O silêncio.
''Isto aconteceu mesmo."
Era inevitavel, eles já se tinham cruzado, já se tinham conhecido, partiram para a experiencia de partilhar o mesmo tecto e, quase que inevitavelmente ela apaixonou-se.
Como seria possivel não gostar de alguem como ele?

Ele ia mesmo embora.
Talvez voltasse mesmo como dizia.
Ou talvez descobrisse outra experiencia que o fizesse querer ficar por lá.
''Tenho de ficar feliz por ti. Guardar tudo o que me ensinas-te mesmo sem saberes. Isto aconteceu mesmo. Afinal é mesmo possivel ser feliz sem ter medo de o ser.''
É este o comboio da vida. Pode parar por momentos mas em alguma altura ele voltará a seguir linha fora.
Sobram os restos de ti, e de restos ninguém vive.
Está na hora do embarque. 
Alguem pode ligar ao S. Pedro e pedir-lhe para abrir uma janela? É que já não se aguenta o calor.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Conselhos dos outros e a tua escolha

Um dia, todos colhemos na mesma medida em que fomos semeando.

Os conselhos?
Os conselhos são vozes. Deves ouvi-los com atenção. Mas tu, só tu e mais ninguém, vais ser sempre o responsavel pelo caminho que escolheres.
Por mais desculpas que tentes arranjar, o dedo vai sempre apontar para ti. 
O cão fez xixi no sofá? Quem deixou o cão ficar dentro de casa?
Ela abusou da tua confiança? Tu mantiveste-te exposta.
Ele trai-te? Mas foste tu que perdoas-te.

Só tu.

Podem até calçar os teus sapatos mais jamais irão andar com os teus pés. A pessoa que mais respeitas diz-te que o melhor caminho é meter os dedos na fixa. O respeito é tanto que tu como é óbvio segues o conselho. 

A escolha foi só tua e a consequência também. 
É a TUA escolha. 

E os conselhos? Os conselhos são vozes!

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Desafio - Dia da escrita à mão


Olá, tudo bem?

Hoje é o dia da escrita á mão. 
O dia 23 de Janeiro começou a ser assinalado desta maneira nos Estados Unidos da América e cada vez mais faz sentido assinalar este dia.  Com o avamço da tecnologia tornou-se tão mais normal usar um teclado que a escrita á mão já não tem o mesmo poder que em outros tempos.

Se há coisa que gosto é de um caderno e uma caneta.
Para não deixarmos este dia na vácuo vou deixar-vos um desafio no Facebook. 
Estou ansiosa por ver as vossas caligrafia e conhecer os vossos blogs.  Além de podermos inspirar com as nossas caligrafias ainda podemos trocar seguidores e conhecer novos blogspot. 

Vou seleccionar as 5 melhores caligrafias e junto com os links dos vossos blogs, vou fazer um mega post de divulgação.

 ♡DESAFIO ● Vamos interagir!

Para participar basta deixarem uma foto da vossa caligrafia (uma frase inspiradora, uma folha do vosso caderno, a lista das compras) la no facebook http://facebook.com/baguettecomtudo junto com o link do vosso blog e seguir o meu blog. Vou seguir de volta todos os participantes e divulgar as 5 melhores caligrafias e os blogs correspondentes.

Estou ansiosa por ver e conhecer os vossos blogs. Vamos parar um bocadinho para conhecer os blogs uns dos outros. Vamos interagir! 

As fotos e os links deverão ser enviados para a página ate ao meio dia de amanhã (hora de Portugal).

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

A minha Avó

Faz hoje 2 anos que perdi a minha avó.

É difícil para mim falar sobre isso e a única maneira, a melhor que tenho, de falar sobre isso é escrevendo. Por mais que escreva, não vão haver palavras certas nem suficientes que mostrem o quão magnifica e importante ela era para mim.

A minha avó nasceu a 26 de Agosto de 1933, nos tempos em que se cosiaam as meias rotas e se ia lavar a roupa ao rio. Eram tempos pobres mas humildes. As famílias viviam do campo e de alguma maneira não faltava nada. Tinha pouco, mas o pouco que tinha dava sempre para repartir com alguém. Mais vale 2 com pouco que um sem nada.
Calçou os seus pés pela primeira vez aos 14 anos, uns sapatos emprestados para ir a um casamento.

A minha avó fazia as melhores filhós, as melhores sopas. Era uma exímia dona de casa e o cheirinho de creme Benamor era característico da sua pele logo pela manhã.
Tinha sempre uma solução, uma palavra de conforto e um miminho para mim. 

A avó ensinava as coisas que não se aprendem na escola, que ela nunca frequentou, nem aparecem nos livros, que ela não sabia ler. Não tinha conhecimento das novas tecnologias e não precisava delas. Ela não tinha a teoria, mas tinha a preciosa experiência e prática. Lembrava as datas de tudo: quando foi o casamento da tia da prima e o nascimento do sobrinho, o dia que o avô foi para a tropa e o dia que voltou, se fazia chuva ou sol e que roupa tinha usado, os feriados e dias de festa. Contava as melhores histórias detalhadas e reais. Sabia canções que mais ninguém cantava e trava-linguas que me faziam doer a barriga de tanto rir.

O casamento com o avô durou mais de 60 anos, até o meu avô morrer cerca de um ano antes dela. Isso abalou-a muito. Muito mesmo. Sempre me lembro de ela desejar morrer primeiro que ele. Perder o companheiro de vida de tantos anos deve doer mais do que se possa imaginar.

Perder a minha avó foi um valente murro no estômago para mim. Mas a morte dela sempre esteve à espreita, de mão dada aquele cancro que habitou o corpo dela mais de 30 anos e que já existia bem antes de eu nascer. Só que apesar de ter crescido, eu vivia na ilusão de que a a avó era rija, imortal talvez. Afinal de contas a barreira dos 80 já estava passada e ela continua com a mesma pele fofinha e cheirosa de sempre.

Dizem que o tempo cura tudo mas isso é mentira. Não lhe curou o cancro. Nós é que mudamos e aprendemos a lidar de maneira diferente com as coisas.

Ela nunca desejou mal para ninguém.  Nunca ouvi um palavrão vindo dela ou um praguejar mal humorado. Ela rezava pelos mortos e pelos vivos. Vivos que talvez já nem se lembrassem dela.

Faz hoje 2 anos.
E para mim ela vai ficar para sempre.
A minha avó.